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O Reconhecimento da Periculosidade para o Vigilante Armado sem Limitação Temporal

Lucas Zucoli Yamamoto

Advogado

Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito de Curitiba

O Reconhecimento da Periculosidade para o Vigilante Armado sem Limitação Temporal – uma leitura menos positivista e mais jurídica

Com o advento da Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao artigo 57 da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria especial sofreu profundas modificações, passando a ser exigida do segurado a comprovação da efetiva exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos, por meio de formulários e laudos próprios. 

A prova passou a ser técnica, o que demandaria a aferição por critérios estabelecidos em lei ou em regulamento previdenciário – ou até trabalhista para alguns casos.

A partir de então, muitas categorias passaram a ter dificuldades para a obtenção da aposentadoria especial, pois antes a concessão era feita por enquadramento à profissão ou atividade, ou agente agressivo (exceto para o caso de ruído, cuja prova sempre foi técnica). 

Os vigilantes passaram por este mesmo processo, mas, como o legislador só veio a regulamentar as novas disposições legais acerca da aposentadoria especial em 05/03/1997 com o Decreto nº 2.172/97, a doutrina e a jurisprudência firmaram-se no sentido de que o vigilante armado tinha direito ao reconhecimento de sua atividade como especial até esta data. 

Ocorre que, a atividade do vigilante tem natureza policial e implica em exposição a risco de sua integridade física, havendo periculosidade.  

E esta exposição a risco da integridade física é uma das ressalvas feitas pela Constituição Federal para a adoção de requisitos diferenciados para a concessão de aposentadorias (artigo 201, § 1º). 

Apesar de a jurisprudência ter dado mostras de que iria se firmar pela limitação do reconhecimento como especial da atividade do vigilante até 05/03/1997, uma nova decisão da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, com voto-vista do doutrinador João Batista Lazzari, acena com o que parece ser uma mudança de paradigma para a limitação temporal no reconhecimento da especialidade de atividades que sujeitem o trabalhador a risco (incidente de uniformização JEF nº 0007420-56.2007.404.7051/PR).

A Turma Regional de Uniformização dos Juizados decidiu que é devido o reconhecimento da natureza especial da atividade que expõe a risco a integridade física do trabalhador em razão de periculosidade, mesmo após a edição do Decreto nº 2.172/97, citando o paradigma utilizado no incidente, de relatoria do Juiz Federal José Antonio Savaris.

E, conclui, que a atividade do vigilante armado caracteriza-se como periculosa e não há limitação temporal para o reconhecimento da especialidade em face da proteção constitucional à integridade física do trabalhador:

3. É devido o reconhecimento da natureza especial da atividade que expõe a risco a integridade física do trabalhador em razão de periculosidade, mesmo após a edição do Decreto 2.172/97. (IUJEF 0023137-64.2007.404.7195. Turma Regional de Uniformização da 4ª Região. Relator p/ Acórdão Juiz Federal José Antônio Savaris. D.E. 30/03/2011)

4. A atividade de vigilante armado caracteriza-se como periculosa e não há limitação temporal para o reconhecimento da especialidade em face da proteção constitucional à integridade física do trabalhador (art. 201, § 1º da CF).

Passemos então, à análise de alguns argumentos técnicos que indicam a periculosidade da atividade do vigilante armado. 

  • Exposição a risco da integridade física

O vigilante que trabalha com transporte de valores, vigilância patrimonial, escolta armada, segurança privada ou outros, portando arma de fogo, é designado para defender o patrimônio do contratante, de modo que expõe a sua integridade física a risco acentuado (acima do normal). 

A NR-3 do Ministério do Trabalho e Emprego estabelece que: 3.1.1 Considera-se grave e iminente risco toda condição ambiental de trabalho que possa causar acidente de trabalho ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador. 

Com efeito, uma tentativa de assalto à mão armada pode resultar na morte do vigilante, ou em graves prejuízos. 

Segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho de 2008 da Previdência Social (www.previdencia.gov.br), no ano de 2006 foram registrados 2.827 acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores da área de vigilância. Em 2007 houve 3.856 registros e em 2008 o número subiu para 4.767.

Conforme artigo 13 da Convenção nº 155 da OIT os trabalhadores têm o direito de suspender a prestação dos serviços caso sintam que sua integridade física está ameaçada. Entretanto, o vigilante tem o dever de reagir em casos de ameaça ou de ação criminosa. 

A atividade do vigilante tem natureza policial. E a atividade policial é enquadrada pelo Supremo Tribunal Federal nos critérios de perigo ou risco, conforme se verifica da decisão proferida no julgamento da ADI 3817, em que se apreciou a constitucionalidade de Lei do Distrito Federal que ampliou o conceito de atividade policial para os servidores públicos cedidos:

Enquadrada a natureza da atividade policial no critério de perigo ou risco, e, ainda, considerando ter sido a matéria objeto da mesma espécie normativa exigida pela Constituição atual (lei complementar), tenho como recepcionada a Lei Complementar nº 51/85 pela Constituição de 1988. (DJU 03/04/2009)

A ADI 3817 desafiava o julgamento da constitucionalidade de um dispositivo de Lei do Distrito Federal, mas o STF acabou declarando neste julgamento que entende que a Lei Complementar nº 51/85 que trata da aposentadoria especial do policial federal, foi recepcionada pela Constituição Federal, e, que a atividade policial enquadra-se nos critérios de perigo ou risco previstos no artigo 40, § 4º, inciso II da Constituição Federal que justificam a concessão de aposentadoria diferenciada das demais. 

Mauro Cezar Martins de Souza, em artigo intitulado Vigia e Vigilante – Elementos Caracterizadores no Direito do Trabalho[1], explica que o vigilante tem o dever de intervir e impedir a ação criminosa, o que faz de sua profissão uma profissão de natureza policial, que requer inclusive treinamento de tiro e armamento, segurança física e instalações, combate a incêndios e outros:

A diferenciação básica entre as funções de vigilante ou guarda de segurança e as de vigia repousa na diversidade de conteúdo ocupacional: os vigias têm como incumbência circular no estabelecimento do empregador, por meio de ronda diurna ou noturna, observando os fatos, não estando obrigados à prestação de outros serviços, ao passo que os vigilantes ou guardas de segurança, além das funções de guarda propriamente dita, têm a seu cargo a defesa policial para impedir ação criminosa contra os bens, exercendo, pois, funções mais complexas que o vigia, em razão do maior âmbito das respectivas funções, das responsabilidades e do preparo a que se submetem.

Ora, se o Guardião da Constituição Federal reconhece que a atividade policial enquadra-se nos critérios de periculosidade ou risco e a atividade do vigilante possui natureza policial, a atividade de vigilância pode ser licitamente considerada perigosa, haja vista que submete a integridade física do trabalhador a risco. 

O risco à integridade física é inegável para o vigilante que trabalha armado, haja vista que este tem o dever contratual de agir em defesa do patrimônio, salvaguardando-o de ações criminosas, tanto é assim que se utiliza colete a prova de balas, cujo uso é regulamentado pela Portaria 191 do MTE. 

O Nexo Técnico Epidemiológico, que anualmente é atualizado com dados do CNAE e estatísticas da Previdência, relaciona a atividade de vigilância como atividade de grau de risco máximo – nível 3 (anexo V do Decreto nº 6.957/09). 

Portanto, há subsídios técnicos que indicam que a atividade de vigilante armado expõe a integridade física do trabalhador a risco acentuado, o que caracteriza a periculosidade.

  • Disciplina legal

Conforme doutrina de Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro[2], até que Lei Complementar discipline o § 1º do artigo 201 da CF/88, permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios.

Adverte a Autora que ainda que a periculosidade não esteja expressamente prevista nos Decretos que se sucederam, os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 ressalvaram a possibilidade de serem incluídas atividades não relacionadas em seu Anexo IV, advertindo serem as mesmas exemplificativas[3].

Assim sendo, a periculosidade, que constitui a exposição da integridade física do trabalhador a risco, não encontra limitação temporal para efeitos de aposentadoria especial, pois está abrangida pela proteção constitucional, que ressalva a possibilidade de adoção de requisitos diferenciados para a concessão de aposentadoria (artigo 201, § 1º). 

  • Conclusão

A jurisprudência dá os primeiros passos para o reconhecimento da periculosidade a que está exposto o vigilante armado, havendo na legislação em vigor autorização para a concessão de aposentadoria especial em tais circunstâncias. 

A dificuldade de se capturar tecnicamente a periculosidade no caso do vigilante se dava ao fato de que o risco a sua integridade física não provém de substância inflamável ou de uma fonte de energia elétrica, e sim da ação humana intentada contra o patrimônio. 

Entretanto, esta dificuldade começa a ser superada pela cultura jurídica, a qual abre os olhos para a condição de risco em que o vigilante trabalha, haja vista que por força de contrato este tem o dever de agir em defesa do patrimônio, colocando a sua vida e integridade física em risco para a proteção do contratante. 

A periculosidade, assim como a insalubridade, é sempre potencial, não sendo necessária a ocorrência de evento danoso à saúde para que se qualifique. 

Com essa mudança de entendimento capitaneada pela jurisprudência da Turma Regional de Uniformização do Sul, que segue precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça sobre a ausência de limitação temporal para a periculosidade, há um ganho significativo para estes trabalhadores que se dedicam à proteção do patrimônio e à segurança privada. 


[1] Referência eletrônica desta doutrina: Autor: Mauro Cesar Martins de Souza Título: VIGIA E VIGILANTE – ELEMENTOS CARACTERIZADORES NO DIREITO DO TRABALHO. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 20.4.2012.

[2] RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria especial: regime geral de previdência social. 4ª edição. Curitiba: Juruá, 2010.p. 264/265.

[3] RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria especial: regime geral de previdência social. 4ª edição. Curitiba: Juruá, 2010.p. 264/265.

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